Se houvesse um medicamento que, depois de tomado, nos fizesse esquecer a pessoa que amamos e as farmácias ficariam inundadas de gente à sua procura. Existisse uma operação que nos removesse a parte da memória que nos faz lembrar esse alguém e ficariam enormes as listas de espera para essa cirurgia.
Mas não existe. Não há. Não se vende, nem se opera.
Mas pode-se esquecer? Pode.
Como assim? Ora, usando uma técnica vulgarmente usada pelos bombeiros para extinguir os incêndios. O lendário truque do “Fogo contra Fogo” que basicamente consiste em lançar outro fogo em direcção ao que vem a arder. Assim, queima-se uma área que ainda não esteja ardida, para que quando o fogo lá chegar nada mais tenha para arder.
E é limpinho. O que há a fazer é queimar o que ainda houver de bom e fazer com que as coisas que estejam associadas à pessoa que queiramos esquecer não nos pareçam assim tão agradáveis. E quando ele – leia-se o incêndio – aparecer, já só resta terra queimada.
E assim, aproveitando esta bonita analogia dos incêndios, é justo revelar que aqui o grande problema é o vento, o vento que pode reacender as chamas. E esse vento pode ser uma chamada dele — que ninguém atenda o telefone — uma súbita vontade de lhe ligarmos nós, às quatro da manhã com uma voz notoriamente embriagada — apague-se já o número — o vento pode ser uma foto dele ainda no quarto — que se guarde isso numa gaveta escura — uma carta que imbecilmente relemos — perigo, perigo! E assim, voltando à perniciosa técnica do fogo contra fogo, o mais importante é queimarmos tudo à volta sem usarmos um único fósforo. É dizermos “isto é muito bonito e tal, mas eu tenho de sair daqui antes que se faça tarde” e assim, ao não permitirmos recaídas que sabemos que só irão adiar o inevitável, extinguiremos o pouco que vai existindo até que tudo fique reduzido a cinzas, tão frias e inertes, que nenhum vento será capaz de reanimar.